quinta-feira, janeiro 12, 2006

Aniversário


Ontem foi meu aniversário.
Fiz 29 anos. Há algo diferente entre os 20 e os 30.
Na minha meninice eu sonhava aos 20 ter filhos e ser adulta.
Agora sonho que aos 30 o serei...
Sinto-me estranha ao olhar pra trás. Nada do que vivi parece pertencer-me...
Nem sei se vivi de fato, ou de sonho
Quem o saberá?
eu com 15 anos

No tempo em que festejavam o dia dos meu anos
Alvaro de Campos (Fernando Pessoa)

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

quinta-feira, janeiro 05, 2006

...

Não há nada melhor do que fechar os olhos
e saber que há alguém, seja onde for, que cuida de mim.
Não há nada melhor do que saber que se fez a coisa certa
mesmo desejando ardentemente o oposto.
Nada se compara a certeza que mora em mim.
Nada vive mais em mim do que o indefinível, do que o indescritível.
Viver é conseqüência de tudo que sou,
pois o que gostaria de ser já passou...
foi...
e eu nem percebi.
Minha vida não me pertence...
a quem pertence eu não conheço os olhos
Apenas o brilho que mora n’alma.
Não posso definir o que há em mim,
Mas posso intervir no que não.